sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Bilhete.


Carlos sempre foi egocêntrico e nunca demonstrou nenhum tipo de sentimento, ora fumava, ora lia um livro. Dormia tarde, acordava cedo, arrumava o seu belíssimo topete e saia... Não deixava rastros e nem avisava, deixando todos preocupados e principalmente a pequena Julie. Ele era o mais novo entre os cincos irmãos, filho de Sr. William e Sra. Catherine, por quem Julie sempre quis trabalhar, por algum motivo.
O sol mal se pôs e Julie já estava acordada com um bilhete na mão. Aparentava ansiosa, pressionando-o e olhava fixamente àquela porta, onde todas as manhãs saía e todas as noites entrava o Carlos. Andava de um canto para o outro, sentava e abria o bilhete que estava dobrado em sete ou oito vezes, lia, olhava pro canto e ria. Ela o esperou o dia todo no banco, mesmo sabendo do prejuízo de não estar na cozinha trabalhando. Naquele dia todos a deixaram livre, pois sabia que ela queria somente entregar aquele bilhete dobrado sete ou oito vezes, aquele bilhete escrito há anos atrás, guardado por longos dias e agüentado até hoje...
Até que Carlos chegou e estava a caminho ao seu quarto, só que algo o interrompeu e lhe fez mudar de direção, e da rapidez para passos curtos e silenciosos. Ele ficou minuto observando aquele rosto ingênuo e gordo. “O que eu faço?” pensou.
- Hei. – Cutucou. - posso saber o que fazes dormindo ai? – Disse o esperado, o Carlos.
- Bom, é... É... – Julie engoliu seco e rapidamente voltou a trabalhar.
-

Na manhã seguinte Carlos foi à cozinha beliscar algo e após sairia, como de costume, mas nessa manhã ele notou algo diferente, talvez a ausência de algo ou alguém... Rapaz muito orgulhoso, numa leve pausa olhou pro lado, não pensou duas vezes e saiu andando. Ao entrar em seu quarto deparou-se com um bilhete sobre a cama, que aparentemente se lembrou que Julie na noite anterior enquanto dormira no banco segurava um papel igual.
- Que estranho – Disse menosprezando as palavras escritas e sentou pra ler.
Querido Carlos.

Escrevo-te com o propósito de dar-lhe as minhas ultimas palavras... Adeus, pois cansei de ser apenas a empregada pra você, materializando nunca foi de grande precisão o meu esforço nessa mansão, mas pro meu bem estar eu precisava pelo menos ser o menos significativo pra você, ser sua empregada. Embora isso fosse o meu orgulho ao mesmo tempo me desgastou, descobri que ser apenas a sombra do lustre não faz com que o lustre vá até a sombra, pois o lustre tem a sua luz e chama a atenção. Já a sua sombra...
Só lhe peço que faça alguma coisa com as nossas lembranças em que você nunca correspondeu.

Com muito amor.
J.

De tolo e tapado começou a pensar no que realmente fazer, cujo que estava explicito era: “Liga pra ela” ou “Corra atrás”, porém seu orgulho era muito alto ao ponto de querer deixar as coisas acontecer e não fazer nada, um inerte. Colocou os fones de ouvidos e ignorou o máximo possível e seu coração palpitando... E com as frases em que ouvia trazia as lembranças e um sorriso bonito em seu rosto.
- Lembro do teu rosto, da tua pele agradável, da sua presença me cobrindo todas as vezes que chegava tarde e já ia pra cama... Como isso me fazia bem. E aquele dia em que saímos juntos e você me sujou com sorvete, como fui tolo de ter ignorado e limpado o meu rosto com o lenço, a verdade é que eu queria jogar o pote de sorvete inteiro em você – Risos – Nunca tive oportunidade de lutar por algo, se tudo o que eu quero e preciso tenho sem esforços. Sinto que te perdi. – Pensou alto o Carlos, tirando o fone e jogou-o na cama com os olhos lacrimejando.
Do outro lado da parede estava Julie guardando e arrumando os seus pertences, trocando de roupa, enquanto a Julie estava no banheiro o Carlos deixou um bilhete. Ela saiu do banheiro com um sorriso no rosto, pois sabia que uma presença especial acabara de sair do seu quarto e logo seus olhos brilharam com aquele pedaço de papel amassado, porém dobrado.
Nervosa, abriu o papel com o coração na mão e riu pela sua incapacidade de encarar isso.
Não me deixe, minhas noites serão frias e as manhãs serão resfriadas... Quem irá me cobrir?
C.

- Como sabe que sou eu que te cubro? – Falou sozinha e riu colocando o papel no peito.
- Nem sempre estar de olhos fechados quer dizer que estamos adormecidos. – Disse Carlos encostando-se à porta até fechar. – Você não é apenas a minha empregada, você não é apenas a minha sombra e sim a luz do meu lustre, a energia que conecta à tomada e faz com que o lustre ganha luz. Eu preciso dessa insignificante empregada, mas a única empregada que em palavras me motivou a lutar por aquilo que eu quero permanecer aqui comigo, sempre. A única empregada que pela simplicidade fez o meu coração funcionar. Você vai ficar aqui. – Abraçou-a. – Nem que eu me ajoelho e rompo esse meu orgulho. Não quero te perder.
Emocionada e em poucas palavras demonstrou:
- Eu te amo.